Em 2013, um grupo de nove construtoras de médio porte surpreendeu o mercado e venceu a disputa pela BR-050, que inaugurava uma nova etapa de concessões de estradas federais. O Consórcio Planalto superou gigantes do setor e muita gente torceu o nariz sobre sua capacidade de assumir a empreitada. A rodovia, entre Goiás e Minas Gerais, foi a única das seis leiloadas no pacote lançado pela ex-presidente Dilma Rousseff que entregou todas as obras no prazo exigido. De praticamente desconhecido no cenário nacional, o grupo conquistou a confiança de investidores e do governo, mas acabou vendendo suas operações na BR-050 cinco anos depois.
Parte daquele grupo se juntou novamente e arrematou, no fim de 2019, a primeira rodovia estadual concedida em Mato Grosso do Sul. À frente da MS-306, um trecho com 220 quilômetros que receberá R$ 932 milhões em investimentos, a concessionária provoca mais uma boa surpresa. Para se financiar no longo prazo, conseguiu montar um “project finance” puro, isto é, oferecendo o próprio projeto – e nenhum outro ativo – como única garantia. Algo sempre apontado como essencial para o desenvolvimento da infraestrutura no país, mas raramente executado.
O financiamento está se dando por meio de R$ 315 milhões em debêntures incentivadas (com isenção de Imposto de Renda para pessoas físicas) emitidas na semana retrasada. A demanda pelos papéis foi tamanha – mais que o dobro do valor oferecido – que a concessionária conseguiu até mesmo reduzir o custo de captação: a taxa diminuiu de 6,4% para 6% ao ano (mais IPCA). As debêntures têm um prazo de 15 anos e pagamento semestral de juros. Os recursos já entraram no caixa da empresa.
“É o primeiro ‘project finance’ puro no setor, com essas características, garante todos os investimentos necessários para a viabilização das obras de melhoria e de serviços na concessão”, afirma o diretor administrativo e financeiro da concessionária Way-306, Giovanni Mott, ele próprio um dos antigos conselheiros da MGO Rodovias, a exitosa operação da BR-050.
Bandeirantes, Senpar e TCL – três das empresas que faziam parte do consórcio vencedor em 2013 – estão entre os acionistas da Way-306. Também entrou um peso-pesado do exterior, a GLP, que tem sede em Cingapura e US$ 89 bilhões em ativos imobiliários espalhados pelo mundo. A quinta na sociedade é a construtora mineira Torc. Cada acionista tem 20%. A consultoria NL4 participa da gestão e pode exercer opção de compra de 6% do negócio, mas não fez isso – pelo menos por enquanto.
Com essa mesma composição, o grupo de empresas pretende disputar novos leilões nos próximos meses. “Agora aprendemos o caminho e vamos adiante”, diz Mott. Segundo ele, a prioridade é estudar as rodovias federais que serão relicitadas no Paraná – seis lotes, com 3.328 quilômetros, cujos contratos originais expiram neste ano.
Para o executivo, uma lição a ser tirada do financiamento montado é que o setor pode depender menos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), buscando fontes alternativas de crédito. No limite, rodovias podem se transformar em ativos como linhas de transmissão de energia, que atraem fundos e empresas de menor porte, acredita.
A diferença é que os “linhões” têm receita fixa garantida, pelos contratos, enquanto as operações rodoviárias dependem do fluxo de tráfego, sujeito a variações. Mesmo assim, diz Mott, há formas de atenuar o risco para o empreendedor.
No caso da MS-306, o tráfego em 2020 ficou 4,5% acima do esperado inicialmente pela concessionária, apesar da recessão provocada pela pandemia. O grosso da demanda são caminhões com uma média de seis a sete eixos, que carregam grãos, etanol, fertilizantes.
A operação da MS-306 foi assumida pela concessionária em abril de 2020. Após trabalhos iniciais, que vão da recuperação preliminar do pavimento à limpeza dos canteiros, a cobrança de pedágio começará dia 22 ou 23 de março. Serviços como socorro mecânico e ambulâncias estão funcionando. No contrato, com 30 anos de duração, há exigência de construção de acostamentos e terceiras faixas. Além dos R$ 932 em investimentos, com cerca de dois terços nos primeiros cinco anos, mais R$ 843 milhões serão desembolsados em manutenção das vias e serviços de atendimento aos usuários.
Com os recursos captados na emissão de debêntures incentivadas, a Way-306 optou por quitar antecipadamente empréstimo-ponte tomado com Itaú BBA e BTG Pactual. E abriu mão de financiamento de longo prazo com BNDES.
Fonte: Valor Econômico – Por Daniel Rittiner – De Brasília
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